segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Tempo


Os tentáculos negros arrebentam a barreira do som e envolvem todo o ambiente enquanto seus ouvidos gritam.
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Tudo escuro.
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“Olá! Tem alguém aí?” – Você grita como em um filme de terror.
“Aqui, estou aqui.” – Ecoa uma voz doce atrás de você.
“Hã? Quem é você?”
“Ah!, eu te procurei por tanto tempo, já quase perdia as esperanças!”
“Quem é você?! Apareça!”
“Não está me reconhecendo? Não se lembra de minha voz?”
“... Ela se parece... Se parece com todas as outras...”
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Choro.
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“Está tudo bem agora, eu estou aqui... Vire-se e volte pra mim...”
“Não. Foi daí que a escuridão veio. Vou para o outro lado.”

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Único

O mundo tem aproximadamente 6 bilhões de pessoas.
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Dizem as probabilidades que enquanto você pensa, outra pessoa o faz; que enquanto você chora, certo de que choram também; e por aí vai...
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Mas será que alguém em todo o globo se sente como eu me sinto agora?

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Inverno

O solstício chega de maneira cruel. Sem avisar, castiga nossas casas com ventos fortes e cristais de gelo que um dia foram lágrimas de estações passadas. A correria para angarinhar todos os suprimentos vitais ao alcance começa e o caos se instala. Em meio ao repentino e iminente fim do mundo, os que não se prepararam são os primeiros a cair, congelados.
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Me excluo em meu quarto, debaixo do cobertor. O frio gela a espinha e a solidão me amedronta. A casa estala com a mudança de temperatura brusca e parece prestes a desabar. Fora tudo tão depressa. Nem se notaram as folhas caindo e o Sol que me iluminava já havia sumido.
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Me traído. Me deixado sozinho, em apuros. Pronto para congelar feito uma cigarra que um dia teve motivos para cantar.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Passagem

Esperando na fila há dias, já não se sente mais dor,
Sede ou fome.
O silêncio fúnebre e a lembrança de seus pecados,
Te consome.
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Aquela canção murmurada torna a ecoar
É o barco se aproximando.
Todos sabem a regra que rege o lugar:
"Um viajante a bordo e a Morte remando"
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Aos poucos chega a sua vez
E você implora por piedade
Mas tudo isso, é só o início da eternidade
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A travessia custa-lhe os olhos da cara
Na outra margem, todos que pedem a mão, tomam-lhe o braço
Numa terra cheia de todos que queriam tudo,
O perdão é excasso

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Delivery

Era hora de voltar para casa. A perícia já estava chegando e não havia nada mais que eu pudesse fazer. Logo aquela garota estaria cercada de legistas e afins com seus diversos fetiches deploráveis e nenhuma informação verídica poderia ser extraída depois de então. Sorte de ela estar morta no dia em que encontrou esses porcos.
O caminho até o apartamento era um pouco longo, por isso fiz sinal ao primeiro taxi avistei. O motorista destranca a porta e eu entro o mais rápido possível para evitar a chuva de molhar o carro.
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"Boa Noite. Para onde vamos?"
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"Main Street n°37, por favor."
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O homem liga o taxímetro e arranca com o carro. Constantemente desvia o olhar da rua para o retrovisor, a fim de checar a minha pessoa. Era mais um já corrompido pela cidade, inundado pela desconfiança que nos é treinada desde o berço. Ninguém mais nessa cidade distribui sorrisos ou tem bolas o suficiente para olhar nos olhos dos outros. Tudo e todos podem ser quem, na virada da esquina, vai mudar a sua vida.
É desse jeito que eu gosto que as coisas sejam. Como já disse, o medo é capaz de levar as pessoas a fazerem coisas jamais pensadas. E é isso que mantém o meu trabalho. Não existem "safe houses", aqui é a lei da selva. E hoje, temos uma hiena a solta.
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"Aqui estamos: Main Street n°37, senhor."
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Olho o taxímetro: 17,45. Deixo uma nota de vinte e abro aquela escandalosa porta amarela do taxi.
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Relâmpago. Trovão. Mais chuva.
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Visto rapidamente o chapéu e dou largas passadas até o apartamento. Giro a chave e entro.
Minha roupa encharcada forma uma poça d’água abaixo dos meus pés. Penduro o sobretudo, alargo a gravata e me direciono a cozinha. Olho a insistente mancha de café no chão, uso meus sapatos molhados para tentar apagá-la. Nada. Serviço para outra hora, ou quem sabe para o próximo inquilino.
Pego outra xícara no armário e a encho com o liquido dos deuses.
De todos os eletrodomésticos do mundo essa cafeteira com timer era a melhor, sem sombra de duvidas. O calor e o amargo do café deslizam pela minha garganta e lava todo aquele gosto podre da cidade que havia em mim.
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Um pouco de paz, merecida.
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Campainha.
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Xingo quem quer que seja a pessoa do lado oposto da porta. Maldito seja. Não podia haver momento mais importuno.
Abro as quatro trancas da porta lembrando que já era hora de consertar o olho mágico.
Lá fora, ninguém, a única coisa deixada foi uma caixa de papelão pardo, castigada pela chuva.
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Estranho, não pedi entrega nenhuma... E essa hora?
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De repente a caixa começa a ganhar uma nova cor. Um tom quase preto que vem do fundo para cima. No momento em que o papelão já absorvera todo o liquido, este começa a vazar, só que agora em um vermelho vivo. Sangue.
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"Merda!"
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Deixo a xícara escorregar da minha mão. Mais duas manchas para a coleção do meu apartamento. O cheiro de carne fresca começa a aparecer e o chão fica cada vez mais submerso no sangue. Agacho-me ao lado da caixa e a abro com cuidado.
Antes que eu possa ver o conteúdo, em uma das abas de papelão está colada uma foto.
Um rapaz, por volta dos 25 anos, roupas de couro, amordaçado. Na jaqueta, no lado esquerdo, estão bordadas as letras: J.J.
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E o meu dia só ficava melhor.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Fuga Pt 2

Depois de alguns minutos de um silêncio incômodo você liga o rádio. Ainda é possível enxergar o estádio. As pessoas agora se acotovelam por entre os portões principais para saírem do local. Estão todas rindo, felizes, aparentemente gostaram do show, mas você podia ouvir a ressonância de todos os pensamentos da noite convergindo a uma única questão:
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“Quem era aquela garota que estava tocando, ou tentando tocar, guitarra?”
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Você tira os olhos do retrovisor e tenta focar sua mente em outra coisa. O radio, talvez. Como que coincidentemente trágico, não que você não estivesse acostumada, começam as noticias sobre o show, nada animadoras pra você.
Alexis, notando seu desconforto, estica o braço e desliga o rádio.
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Silêncio.
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“Não liga pra isso Juliet!, lembra do que eu te disse a pouco? Você tem que manter a mente ocupada, pensar em algo que não tenha nenhuma ligação com o show... Já sei!, vamos jantar em algum lugar distante da cidade. Algo mais caseiro e acolhedor, que tal?”
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Você não tem capacidade para responder. O estresse dentro da sua mente é tanto que qualquer tentativa de pensar se chocava com a bola de neve de frustrações que só cresce mais e mais. Sua mãe devia estar morrendo de vontade de te dizer: “Eu avisei! Não era pra você inventar de virar musica, você não leva jeito pra isso!”
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“Ok, sem progressos... Que tal você escolher o restaurante, hein? Aqui vão as opções...”
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Vocês entram em umas das highways que levam para fora da cidade. A estrada é bastante iluminada, mas conforme vocês se afastam do centro de Estocolmo a freqüência de postes cai exageradamente ao ponto em que só se avistam uns 5 metros à frente do carro.
Alexis começa a falar o nome dos restaurantes possíveis para a noite e você se esforça ao máximo para focar-se nele, naquela questão, no restaurante em que vocês devem ir. Você luta contra todas aquelas sensações ruins da sua cabeça e, finalmente, as deixa de lado.
Exatamente como Alexis previu, pensar em outra coisa te trouxe paz, razão e calma. Agora você fitava a estrada, só ouvindo a voz dele e o som grave do motor. Ele percebe sua calmaria e vira-se para você com um largo sorriso.
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“Que bom que você conseguiu se acalmar...”
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De fato você conseguira. Estava relaxada. Tão relaxada que nem esboçou qualquer reação quando viu aquele par de faróis da pista contrária fazer um movimento brusco e ir de encontro a vocês.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Rosa

A noticia não poderia ser pior. Cair de tão alto assim, mesmo que metaforicamente, doía horrores. Saber que seu único pingo de esperança se transformara em um borrão de decepções era demais. Até mesmo para ele.
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Sentado, leva o rosto as mãos e chora. Outro soco no estômago, outra ilusão.
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Quem?!, Quem foi o ser sádico que deu a elas o exclusivo poder de arramcar-lhe o sorriso?!