quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Delivery

Era hora de voltar para casa. A perícia já estava chegando e não havia nada mais que eu pudesse fazer. Logo aquela garota estaria cercada de legistas e afins com seus diversos fetiches deploráveis e nenhuma informação verídica poderia ser extraída depois de então. Sorte de ela estar morta no dia em que encontrou esses porcos.
O caminho até o apartamento era um pouco longo, por isso fiz sinal ao primeiro taxi avistei. O motorista destranca a porta e eu entro o mais rápido possível para evitar a chuva de molhar o carro.
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"Boa Noite. Para onde vamos?"
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"Main Street n°37, por favor."
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O homem liga o taxímetro e arranca com o carro. Constantemente desvia o olhar da rua para o retrovisor, a fim de checar a minha pessoa. Era mais um já corrompido pela cidade, inundado pela desconfiança que nos é treinada desde o berço. Ninguém mais nessa cidade distribui sorrisos ou tem bolas o suficiente para olhar nos olhos dos outros. Tudo e todos podem ser quem, na virada da esquina, vai mudar a sua vida.
É desse jeito que eu gosto que as coisas sejam. Como já disse, o medo é capaz de levar as pessoas a fazerem coisas jamais pensadas. E é isso que mantém o meu trabalho. Não existem "safe houses", aqui é a lei da selva. E hoje, temos uma hiena a solta.
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"Aqui estamos: Main Street n°37, senhor."
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Olho o taxímetro: 17,45. Deixo uma nota de vinte e abro aquela escandalosa porta amarela do taxi.
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Relâmpago. Trovão. Mais chuva.
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Visto rapidamente o chapéu e dou largas passadas até o apartamento. Giro a chave e entro.
Minha roupa encharcada forma uma poça d’água abaixo dos meus pés. Penduro o sobretudo, alargo a gravata e me direciono a cozinha. Olho a insistente mancha de café no chão, uso meus sapatos molhados para tentar apagá-la. Nada. Serviço para outra hora, ou quem sabe para o próximo inquilino.
Pego outra xícara no armário e a encho com o liquido dos deuses.
De todos os eletrodomésticos do mundo essa cafeteira com timer era a melhor, sem sombra de duvidas. O calor e o amargo do café deslizam pela minha garganta e lava todo aquele gosto podre da cidade que havia em mim.
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Um pouco de paz, merecida.
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Campainha.
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Xingo quem quer que seja a pessoa do lado oposto da porta. Maldito seja. Não podia haver momento mais importuno.
Abro as quatro trancas da porta lembrando que já era hora de consertar o olho mágico.
Lá fora, ninguém, a única coisa deixada foi uma caixa de papelão pardo, castigada pela chuva.
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Estranho, não pedi entrega nenhuma... E essa hora?
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De repente a caixa começa a ganhar uma nova cor. Um tom quase preto que vem do fundo para cima. No momento em que o papelão já absorvera todo o liquido, este começa a vazar, só que agora em um vermelho vivo. Sangue.
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"Merda!"
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Deixo a xícara escorregar da minha mão. Mais duas manchas para a coleção do meu apartamento. O cheiro de carne fresca começa a aparecer e o chão fica cada vez mais submerso no sangue. Agacho-me ao lado da caixa e a abro com cuidado.
Antes que eu possa ver o conteúdo, em uma das abas de papelão está colada uma foto.
Um rapaz, por volta dos 25 anos, roupas de couro, amordaçado. Na jaqueta, no lado esquerdo, estão bordadas as letras: J.J.
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E o meu dia só ficava melhor.

6 comentários:

  1. Esse foi bom...
    e me lembrou um pouco de Seven..rs
    heuaheiua
    Vlw... daqui a pouco vc começa a narrar...

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  2. seven n foi a unica coisa que isso me lembrou, vic... sinto cheiro de revanche... ou será que Espanto n vai.. bem.. veremos.
    sinto cheiro de aposentadoria também... combina com férias, sobra e agua fresca, ao contrario dessa cidade podre que a gente e-labora na labuta.
    aliás, houve uma reforma aqui na sua casa? a arte imita a vida..é.. preferia antes... sim senhor... senhor joke(r), n ficou ruim, mas pq, n é verdade?
    quem sabe esse contador de estórias não reforma também "a mesa aqui de casa"?

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  3. Não sei pq...
    mas esse comentario anonimo...
    eu acho que eu sei quem é...
    ehaueiuae

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  4. Gosto muito desse contraste da narrativa elaborada com o paralelo bem simples das situações

    "merda". Genial! hahahahaha adoro.

    T.Elia

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  5. Sorte de ela estar morta no dia em que encontrou esses porcos. <- n tinha reparado como isso era bom
    sem ofensas ao vic, mas os comentarios "anonimos" rock

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  6. Anonimo que se identifica no final não é anonimo....heauiea

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