segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Má companhia

Era um único poste que iluminava, mesmo que precariamente, aquele quarteirão inteiro; e enquanto o fazia, as gotas pesadas de chuva eram denunciadas. Chovia ininterruptamente há dias, o que deixava a temperatura incrivelmente baixa e obrigava os fétidos moradores de rua a lutar, de forma bem primitiva, com os cães, gatos e ratos que tentavam se apossar de seus abrigos de papelão. Uma coisa, pelo menos, era positiva, o cheiro de excremento havia sumido.

Lá estava eu, embaixo daquele solitário poste, tentando inutilmente usá-lo como anteparo da chuva para ascender meu cigarro. Inútil. Estava atrasado, havia sido chamado há meia hora e ainda estava a umas três quadras de distância do local. Precisava continuar. Ponho o cigarro úmido no bolso, visto o chapéu e saio da luz em direção a escuridão...

Se comparado com as ultimas três quadras que acabei de passar, esta me lembrou um dia ensolarado de S.O. S Malibu. Além das luzes coloridas provenientes da sirene do carro de policia, foram instalados holofotes, parecidos com aqueles de campos de futebol, que iluminavam até a alma daquele beco.

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“Estávamos esperando o Senhor. Muito prazer.”

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Novatos!, agora tudo fazia sentido. Sempre querendo mostrar serviço, mas da pior maneira possível: Chamando atenção.

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“É... Sim, claro.”

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Enquanto o novato começava a tentar explicar o que estava acontecendo eu já estava de costas para ele, me abaixando para atravessar aquela característica faixa amarela. Aproximo-me de cada um dos holofotes e os desligo. Tiro a lanterna do bolso e aponto o foco para o beco, que, enfim, ganha vida.

Era um lugar grotesco, sujo, nojento. Em um dos seus três lados havia uma porta, fechada com um cadeado do tamanho de uma mão fechada, e ao lado dela, uma lata de lixo, tamanho industrial, com a tampa entreaberta de tanto lixo. Abro a lixeira: Eram só restos de comida. Fato agravado pela diminuição da coleta, por causa da chuva. Olho em volta até encontrar um buraco no canto inferior do latão. Direciono o foco da lanterna e me esquivo de uma ratazana que se assustou com a luz. Refaço o caminho do rato até entender o verdadeiro motivo para todos nós estarmos aqui.

A imagem do centro do beco vai se formando aos poucos conforme a luz esclarece o breu daquela noite. Uma garota, branca, pálida pela perda excessiva de sangue, em posição fetal, vestindo uma roupa de colegial e salto alto. Retiro o chapéu, ignorando a chuva, enquanto me agacho ao lado do corpo. Unhas pintadas com um rosa gritante e uma maquiagem pesada, trabalhada, que agora escorria com a água da chuva que castigava a moça. Uma prostituta, provavelmente. Dando a volta no corpo, de forma a vê-lo de frente, fica clara a causa da morte: A blusa, na altura do abdômen estava toda rasgada, e o que era um branco exagerado agora dava lugar a um vermelho, que escorria de sua barriga, impregnando o asfalto e descendo por suas pernas até a manilha no fim do beco.

Facadas, inúmeras delas, e pela posição da prostituta, a dor durou algum tempo, agonizando-a, consumindo sua vida até a última gota de sangue.

Afastado do corpo havia uma bolsa rosa, característica da profissão. De luvas calçadas, pego a bolsa e volto à viatura. Só então percebo as duas novas pessoas, com os rostos encharcados de chuva e lágrimas, que provavelmente são os pais da garota. Ignoro-os. No carro, abro a bolsa e em meio a espelho, papéis, camisinhas e maquiagens, encontro uma identidade.

Moça, 17 anos, estudante, moradora de um bairro de classe média, dificilmente uma prostituta. Apenas uma menina infringindo o toque de recolher. Depois se perguntam por que tais coisas acontecem...

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“Novato! Confirma a identidade da moça!”

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“Confere!”

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“Me responde então porque eles estão aqui se não os contatamos e o que a filhinha deles fazia nesse lugar.”

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“A filha deles namora um cara da localidade, já faz dois dias que ela veio para cá e não voltou, eles vieram procurá-la e por um basta no relacionamento deles. É um arruaceiro qualquer.”

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Volto ao beco, pego um dos holofotes e ponho-o ao lado do latão de lixo. Levanto a tampa novamente e ligo a luz.

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Dia.

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Vasculho os restos de comida em busca de alguma coisa, alguma pista, algo que ainda não havia sido lavado pela chuva. Essa idéia se torna fixa e eu não penso mais em nada.

“Um arruaceiro, membro de gangue, provavelmente, esse tipo de gente nunca é esperto, é impulsivo, burro, não pensa, bate. Se alguém assim fez isso, a faca não deve estar longe da... Voila!”

Lá estava ela, embaixo de restos de comida apodrecida e revirada pelos ratos: Uma faca média, afiada e, como todo bom e velho pseudo-criminoso, com as inicias JJ. Empacoto-a e retorno a viatura.

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“O legista já está vindo, novato?”

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“Sim Senhor.”

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“Pois bem...”

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Me aproximo do casal em prantos, agora sentados no capô da viatura, preenchendo formulários.

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“Senhores. Sei que se trata de um momento difícil, mas reconhecem essas inicias?”

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“S-Si-Sim” – Soluça a mulher. “Era como nossa filha o chamava: JJ.”

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“Obrigado.”

Um comentário:

  1. hey, continuação?!
    hey, juliet?!
    hey, acorde!
    Hey, novo jogo, novo texto? me falta esse pedaço na vida.

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